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No interior da Holanda, a 20 km de Amsterdã, os habitantes de um vilarejo morrerão dentro de dois anos. As 180 pessoas que vivem por lá, todos mais de 80 anos, têm algum tipo de demência em estágio avançado.
Conhecida como a Vila da Demência, Hogeweyk foi fundada, para moradia de idosos com demência e alguma autonomia. Eloy van Hal, consultor sênior de gerenciamento do vilarejo informa que foi fundamental a mudança do olhar médico para o social, para o que as pessoas ainda podem fazer, dando ênfase na saúde e não na doença. “Elas morrerão, em média, dentro de dois anos, mas se você as tranca em um hospital, aumenta o nível de estresse, e elas são incapazes de fazer o que ainda conseguiriam”, diz.
A expectativa de vida no país (80 anos) é uma das mais altas na Europa, atrás apenas da Suécia (80,6) e Espanha (80,5). Em 2040 crescerá 6 anos, atingindo os 86.
Quando pensaram em como seria o ambiente, abandonaram de imediato a atmosfera de um hospital. Concluíram que teria de ter casas com cozinha, quarto, banheiro e porta da frente com acesso à rua onde transitam outros vizinhos. Casas de repouso foram transformadas em um bairro com casas e ruas normais, mas com suporte de médicos e enfermeiros que pessoas com demência severa precisam.
Van Hal se refere aos moradores como residentes, pois os considera pacientes somente no momento da medicação. “Se falarmos o tempo todo em pacientes, colocamos foco na doença em vez de na pessoa, e elas vão se sentir doentes”.
No início, em 2009, o Hogeweyk tinha 23 casas com seis pessoas cada uma. Hoje são 180 residentes e outros 270 funcionários (médicos, enfermeiros, cuidadores, garçons e vendedores em lojas). Os supermercados, o cinema, os bares e restaurante proporcionam aos moradores uma vida quase normal.
E o custo do serviço? Com tantos funcionários deve ser mais caro que o de uma clínica. Van Hal diz que os custos para manter Hogeweyk são os mesmos que os de uma casa de repouso ou asilo tradicional da Holanda. A diferença é que os gastos são organizados de maneira distinta.
Para manter o local anualmente, o governo aporta € 17,8 milhões, enquanto organizações e doadores entram com € 1,5 milhão. O custo mensal de cada residente é de € 6,5 mil. De acordo com a renda mensal as famílias pagam de € 150 a € 2,3 mil.
Em 2018, o “Dutch Public Health Foresight” publicou um estudo dizendo que em 2040 o número de pessoas com algum tipo de demência irá de 14 mil para 40 mil. Desde que surgiu, há quase dez anos, o Hogeweyk vem inspirando iniciativas semelhantes em outros países como Itália, Canadá, Irlanda e França.
Com o envelhecimento generalizado da população mundial, a discussão sobre como envelhecer se faz importante não apenas na Holanda. A Organização Mundial de Saúde (OMS) estima que hoje existam 36 milhões de idosos com demência no mundo. Em 2050, idosos com demência serão 152 milhões.
No Brasil, o debate em torno dessa economia do cuidado acontece, mas de modo restrito e muito devagar, mesmo que em 2050 o número de idosos passará dos atuais 10% para 30% da população.
A especialista do Ipea em demografia com ênfase em envelhecimento populacional, Ana Amélia Camarano, lembra que em nosso País a primeira opção para o cuidado de idosos com demência ainda é a família e a segunda são os asilos, as chamadas ILPIs – instituições de longa permanência do idoso.
Segundo o Ipea, 65,2% das ILPIs são filantrópicas, 28,2% são privadas e 6,6% são públicas. Os residentes recebem moradia, alimentação e vestuário. Dois terços delas têm visitas médicas regulares. Nas instituições públicas, o gasto médio per capita é de R$ 909,92, enquanto nas privadas e filantrópicas sem fins lucrativos os custos por pessoa são de R$ 738,18 e de R$ 724,52, respectivamente.
Peter Sherlock-Lloyd, da University of East Anglia, em Norwich, Reino Unido, estudioso de casos do Brasil, Argentina, África do Sul e Tailândia, afirma que nossas ILPIs não estão preparadas para receber idosos com demência em estágio avançado. Na opinião dele, faltam no Brasil tanto políticas públicas quanto conscientização sobre um problema que não é apenas de saúde, mas também social e econômico.
Lloyd destaca o equívoco de considerar a família como cuidadora uma opção barata, pois os custos sempre recairão sobre alguém. “Os cuidados sempre têm custos, e é preciso escolher sobre quem recairão. Se será sobre a pessoa com necessidades de cuidados não satisfeitos, que morrerá em breve por isso. Se será sobre a cuidadora que é explorada e não tem o apoio que precisaria. Ou se vai ser um custo para a sociedade, que terá de pagar mais por intervenções e serviços médicos, que poderiam ser evitados”, diz.
Ana Amélia afirma que no Brasil se investe muito mais em políticas de envelhecimento ativo e deixa de lado a chamada “velhice dependente”. “O olhar para essa velhice frágil deveria ter mais alternativas de cuidado, ou seja, investir em ILPIs de qualidade, treinamento do cuidador ou dar suporte para a família cuidar. A nossa legislação fala que a família é a principal responsável pelo cuidado do idoso, mas o Estado não faz nada para ajudá-la a cuidar”, diz.