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Interseccionalidade, o que é isso?
Numa leitura, assistindo uma palestra, um debate ou ouvindo um podcast nos deparamos com algumas palavras de difícil compreensão no seu significado e até na sua grafia.
A palavra do título é uma delas; com 19 letras – interseccionalidade – foge do comum no português do Brasil e também de nossas leituras cotidianas.
A história conta que ela foi utilizada, conceitualmente, pela primeira vez no artigo Demarginalizing the Intersection of Race and Sex: A Black Feminist Critique of Antidiscrimination Doctrine, Feminist Theory and Antiracist Politics – (Desmarginalizando a intersecção de raça e sexo: uma crítica feminista negra da doutrina antidiscriminação, teoria feminista e política antirracista, em tradução livre), publicado em 1989, de autoria de Kimberlé Crenshaw. Clique AQUI para acessar.
A então professora de Direito na Escola de Direito de Los Angeles da Universidade da Califórnia informa já no primeiro parágrafo que “Escolhi este título, como ponto de partida em meus esforços, para desenvolver uma crítica feminista negra ao que se apresenta à tendência de tratar raça e gênero como categorias mutuamente exclusivas de experiência e análise”.
Até então, raça e gênero, em caixinhas hermeticamente fechadas, não se misturavam. Não podiam ser analisadas conjuntamente. Não cabiam na mesma frase.
Na página seguinte do artigo, ela anuncia que pretende discutir como esta estrutura contribui para marginalizar as mulheres negras tanto nas lutas feministas quanto nas antirracistas.
Daí a necessidade de lançar mão de uma nova categoria de análise. “Como a experiência interseccional é maior do que a soma do racismo e sexismo, qualquer análise que não leve a interseccionalidade em conta não pode abordar suficientemente a maneira particular pela qual as mulheres negras são subordinadas”, afirma Kimberlé Crenshaw.
O conceito teve sua gênese na conjugação de raça e gênero, mas quaisquer outros marcadores identitários – idade, classe socioeconômica, orientação sexual, condição física ou sensorial, origem, local de moradia, estado civil, time de futebol do coração, etc. – combinados são exemplos de interseccionalidade.
O método de análise além de demonstrar que somos múltiplos e diversos, nos permite observar que temos vivências limitadas pela ausência de igualdade de oportunidades e pela iniquidade, mas, também, temos vivências de poder e mando que são potencializadas dependendo das combinações desses marcadores.
Por exemplo, não é opinião afirmar que os poderes políticos e econômicos são exercidos por homens, brancos e heterossexuais, isto é fato.
Do mesmo modo que é fato afirmar que a taxa de homicídio entre os não negros é de 13,9 casos a cada 100 mil habitantes e entre os negros chegou a 37,8 dentro dos mesmos 100 mil; sabendo que os negros assassinados são em sua quase totalidade jovens – entre 18 e 24 anos – e moradores das periferias nos grandes centros urbanos, segundo o Atlas da Violência 2017, produzido pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) em parceria com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP).
Outro exemplo de aplicação da metodologia considerando local de moradia, classe socioeconômica e expectativa de vida está no artigo Envelhecimento para iniciantes, escrito por mim e publicado em setembro de 2020 no Blog Maturi.
Mesmo sem citar o termo interseccionalidade mostro a diferença do que é viver e morrer em 4 bairros da cidade de São Paulo, 2 da periferia (Cidade Tiradentes e Grajaú) e 2 da região mais rica (Jardim Paulista e Moema).
Segundo o Mapa da Desigualdade 2019 da Rede Nossa São Paulo, nos 2 bairros mais ricos até meados de junho de 2020 haviam morrido 130 pessoas por Covid-19. Nos bairros periféricos os dados diferem muito, até a mesma data anterior haviam morrido 460 pessoas pela mesma doença.
Não há, portanto, que se falar em envelhecimento, é preciso utilizar a palavra no plural – envelhecimentos. A justificativa está no exemplo acima: em bairros periféricos como Cidade Tiradentes e Grajaú a expectativa de vida é de 58 anos, no Jardim Paulista e em Moema é de 80 anos.
Não é nada estranho que na periferia, até junho de 2020, se morria de Covid-19 3,5 vezes mais que nos bairros mais ricos.
Na quarta-feira, 17 de março, uma Live sobre interseccionalidade foi patrocinada pela Maturi. Andrea Bisker mediou o encontro comentando as respostas e transmitindo as perguntas dos telespectadores e telespectadoras. Participaram Benjamin Rosenthal professor da FGV São Paulo, Cláudia Arruga juíza de Direito Previdenciário, Dilma Campos CEO da Outra Praia, Fabio Mariano professor da ESPM e eu, Walter Alves, especialista em diversidade & inclusão.
Assista a Live do MaturiTalks na íntegra:
Aqui, destaco dois momentos que foram além da discussão sobre interseccionalidade. Andrea Bisker pergunta ao professor Benjamin Rosenthal qual a importância em promover a diversidade e inclusão nas empresas?
Segundo Benjamin Rosenthal, “A importância é pela valorização das pessoas mais velhas. O maior dano que o preconceito etário provoca é o da exclusão, pela sociedade, da pessoa que envelhece, do trabalho, da convivência com diversos grupos e de seu papel social. Além de a colocar dentro de caixinhas que ela não cabe porque ainda tem energia para trabalhar, para conviver com grupos e para desempenhar seu papel social”.
Numa outra abordagem Andrea Bisker perguntou “Como fazer a inclusão nas organizações?” e o professor Fabio Mariano respondeu:
A importância da interseccionalidade não está na novidade para uma grande maioria e nem na demonstração de conhecimentos metodológicos por alguns poucos. A importância está na possibilidade de compreender como uma característica como o envelhecimento opera como catalisador nas intersecções com quaisquer outros marcadores.
Para que haja efetividade e mesmo verdade de propósito na inclusão, é preciso considerar o envelhecimento como um pilar fundante nas políticas públicas ou mesmo num programa organizacional.
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