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Já sei. Já sei. Leitores e leitoras ao verem o título dirão que não têm preconceito. Alguns e algumas nem lerão o artigo, mas nos comentários – nas redes sociais – postarão discordâncias.
Alguns dirão: tenho até amigos negros. Outras falarão: convivo com gays, eles são muito divertidos. Um terceiro: meu avô fala demais, mas adoro os velhinhos. E todos juram que não são preconceituosos.
As barreiras criadas para as negras e negros, as dificuldades impostas aos gays, lésbicas e trans e a falta de paciência com os velhos e velhas vão muito além de nossa amizade e nossa convivência – compulsória ou opcional.
Os preconceitos estão disseminados em toda a sociedade, e porque não dizer em todas as sociedades. Estão no nosso dia a dia. Estão nas empresas quando os homens são mais escolhidos para os cargos de gestão. Estão nos restaurantes quando se vê negros servindo, mas não sentados como clientes. Estão no desemprego dos 50+ quando são os primeiros a serem demitidos no menor sinal de crise.
As pessoas nascem com preconceito ou se tornam preconceituosas? As pessoas não nascem preconceituosas. Os preconceitos não são naturais. Os preconceitos são culturais. As pessoas se tornam preconceituosas.
Uma criança após chegar ao mundo, encontra um outro – comumente a mãe. No começo tudo é indistinto. Com o passar do tempo ela se pergunta: “Até agora, era somente eu. O que significa este não eu com quem me relaciono?” A criança percebe que a interação traz resultados e eles podem ser bons. Se chora, há grande chance de não mais sentir fome ou de ficar mais confortável com roupas secas.
O tempo passa, ela nota que tem mãos e pés, que tem um corpo. Este corpo a diferencia da mãe, de outras pessoas e do mundo que a rodeia. Este processo é conhecido como individuação. A criança percebe as diferenças que tem com a mãe, com outras pessoas, com o mundo que a rodeia e torna-se um indivíduo, é o início da criação de sua identidade.
O que vemos e ouvimos está relacionado com o que buscamos e prestamos atenção. Não vemos aquilo que não buscamos e não ouvimos aquilo que não prestamos atenção. Estamos o tempo todo em busca de significados (e padrões) que façam sentido em nossas vidas.
Viver como nossos pais, como nossa família e como nossa comunidade faz sentido. Aprovar o que gostam e valorizar o que apreciam nos faz sentir parte. Por outro lado, vetar o que estimam e desvalorizar o que admiram, nos faz diferentes e com grandes possibilidades de sermos excluídos. Na maioria das vezes, interiorizamos pensamentos e exteriorizamos atitudes que nos ligam a memórias agradáveis e nos trazem sentimentos de saciedade, de proteção e de afeto percebidos na convivência com nossos pais, nossa família e nossa comunidade.
Ao longo de nossa existência notaremos as diferenças e as semelhanças. Como há muito mais a se ver e a se ouvir do que somos capazes, selecionamos o que buscar e ao que dirigir nossa atenção. Quase sempre optamos pelas semelhanças.
As diferenças e os diferentes são abandonados por nos incomodar. São desconhecidas, nos causam estranheza e às vezes medo. E neste permanente jogo de optar pelo semelhante e afastar do diferente, estruturamos nossos preconceitos que passam a governar nossas escolhas. Influenciam o que incluímos e o que excluímos. Nossos preconceitos determinam a maneira como vivemos. Nossos preconceitos, conscientes ou não, contribuem para a formação de nossa identidade. O que nos diferencia dos demais indivíduos.
Minha tentativa é a de responder por que temos preconceitos e para isso é preciso saber como se formam os preconceitos individualistas. Não nego e nem desprezo a existência do preconceito estrutural e do institucional.
Preconceito estrutural é o que cria e suporta as maiores barreiras econômicas, sociais e institucionais, mas o que da fôlego aos demais é o preconceito individualista, o que está dentro de nós. É o que foi vagarosa e cotidianamente incutido pelos pais, pelas famílias e pelas comunidades. É o que permanece na memória e que, em alguns momentos, se torna consciente.
São os resgatados pelas propagandas, pelas piadas, pelas frases feitas e pelos programas de TV. São os que nos fazem odiar, outras vezes rir, também humilhar e por vezes desejar eliminar os diferentes com suas diferenças.
A humanidade vive hoje sua mais grave crise. Na verdade é uma soma de crises como a sanitária mais a econômica mais a social e o desemprego.
Há cientistas defendendo que a situação que vivemos é de sindemia e não mais de pandemia. Sindemia (sinergia + pandemia) é a interação de duas ou mais doenças com as péssimas condições sociais e ambientais vividas por uma população aumentando a vulnerabilidade destas pessoas, de modo que o dano causado pelas enfermidades é muito maior que a mera soma das duas doenças.
Se não encararmos como nosso maior desafio a redução das desigualdades sociais e econômicas, toda luta será em vão. E o primeiro passo para a verdadeira inclusão são alterações em nossos preconceitos.
E como alterá-los? Isso fica para um próximo artigo.
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