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Lugar de mulher é onde ela quiser! A afirmação nessa frase pode nos parecer óbvia. Não é, infelizmente.
Nós, brancos de classe média e alta, que vivemos a infância nos anos 60 do século passado, pudemos vivenciar o movimento que nossas mães saíram de casa para trabalhar, o que nossas irmãs e irmãos não puderam presenciar na década anterior.
Sei que ao qualificar os brancos de classe média e alta irritarei uma parcela de leitoras e leitores, mas a diferenciação é necessária, pois a quase totalidade das mães negras, logo depois de saírem das senzalas, e irem para seus barracos, foram trabalhar para as patroas brancas para que, inclusive, elas pudessem libertar-se dos afazeres domésticos e, anos depois, iniciarem suas carreiras no comércio, nos serviços e na indústria.
O encaminhamento para tal e qual setor dependia do extrato social e, por consequência, da formação educacional a que estas mulheres brancas puderam ter. As mais bem formadas optavam pela educação ou comércio e as mais pobres pelas lides fabris.
Uma grande parcela das meninas da década de 60 puderam observar estes fenômenos e mudar as histórias de suas vidas.
Ao se tornarem donas de casa e mães quando foram trabalhar fora, seguindo a carreira possível ou aquela que escolheram, mas mesmo assim dependentes das empregadas domésticas para tomar conta de suas casas.
Envelheceram, portanto, dentro de outros contextos que suas mães, construindo as diferenças geracionais marcantes da contemporaneidade.
Não afirmo que estas diferenças chegam a ser opostas. Mesmo porque, em determinadas situações, as meninas, hoje, envelhecidas, repetiram suas mães em muitos aspectos como se não houvessem outros modelos e não conhecessem outros roteiros.
Nós homens, também passamos por processos parecidos, mas como este artigo tem seu foco nas mulheres pela evidência do Dia Internacional da Mulher, reflitamos sobre as mudanças que aconteceram nestes últimos 60 anos já referidos, mesmo que seja pela lavra de um homem.
Reconheço que a legitimidade das mulheres é maior que a minha para falar de si mesmas, fiquem à vontade para comentar nas redes sociais suas impressões e discordâncias.
Meu maior objetivo aqui é fomentar dúvidas que propiciem a reflexão sobre o passar do tempo em geral e para as mulheres em particular, enfim problematizar a vida, as artes e o conhecimento.
Em minha perspectiva, as mulheres souberam compreender quase à perfeição o projeto de dominação vigente a centenas – para não dizer milhares – de anos e o transformou em igualdade de oportunidades, o que não foi nada bom para aqueles que se privilegiaram das desigualdades estruturadas nas colunas da lógica dominante.
Ao reconhecer a singularidade das pessoas, sinto-me desconfortável em eleger uma modelo que sintetize o papel exercido pelas mulheres nos últimos 60 anos, mesmo assim, arrisco afirmar que as 60+ atuais ocupam posições na sociedade, nos negócios, no empreendedorismo, no trabalho e na família com um protagonismo jamais vivido.
E isto não é fruto da conformidade, da normatização e muito menos da ausência, souberam ser transgressivas, inovadoras, rebeldes e participarem da construção da sociedade plural que se avizinhava.
Mesmo enfrentando mais barreiras, mais preconceitos, mais discriminação, mais violência, mais estigmas, mais dificuldades que os homens, elas se impuseram expondo a crueldade da iniquidade e, a duras penas, transformaram as vidas de todos nós independente do gênero, orientação sexual, raça, condição física ou sensorial, origem, crença religiosa.
Por estas mudanças pessoais e transformações sociais que reconheço imenso valor nas mulheres 60+. Por isso muito me estranha e, considero como vozes do passado, aqueles e aquelas que ainda se sentem à vontade para propagar que algumas funções, alguns papéis e alguns lugares não podem ser ocupados pelas mulheres contrariando o título do artigo.
É certo que uma quantidade razoável de mulheres e homens se opõem à libertação, à diminuição da opressão sexista e às mudanças conjunturais e estruturais que vão acontecendo com a chegada dos novos tempos.
Estas contrariedades também nos fazem movimentar, criam dinamismo e nos permitem metaforizar nossa sociedade como corpos orgânicos que – quando saudáveis – são capazes de buscar e encontrar soluções para os problemas que nós mesmos criamos e que nos afligem. É possível que estas pessoas não foram educadas e criadas para a diversidade.
Mais do que anacronismo é o auto confinamento mental, espiritual e psicológico de onde elas e eles não conseguem se libertar provocando atraso social e econômico além de grande sofrimento pessoal naquelas que acordam diariamente para serem controladas, humilhadas, violentadas e até estupradas por maridos, filhos, avós e tios e, porque não, pelos homens que fazem vista grossa à situação fingindo que o problema não é de todos nós.
A admiração que tenho pelas mulheres vai muito além da propagação de uma efeméride. É o resultado de relacionamentos que tive, e tenho, com elas ao longo de minha existência.
Sou um privilegiado por encontrar mulheres que me propiciaram, na mesma medida, aprender, ensinar e com isto aprender mais ainda.
Que neste 8 de março de 2021, as mulheres recebam parabéns, flores, presentes, mensagens comemorativas, mas que nos demais dias deixem de ser controladas, humilhadas, violentadas e estupradas e passem a ser respeitadas em suas diferenças, valorizadas com o reconhecimento que – além da capacidade única de gestação – têm potência de vida para a recriação de suas próprias existências e, assim, serem fontes de rejuvenescimento espiritual, organização social, educação política e transformação cultural como todo ser humano tem o direito de ser.